Liu Jiakun, que quer ser “como a água”, é o Prémio Pritzker de Arquitectura 2025
Obra do arquitecto chinês, que é também artista visual e romancista, está toda no seu país. O Pritkzer 2025 “é respeitado como um dos mestres da sua geração”.
O Prémio Pritzker de Arquitectura de 2025 é o arquitecto chinês Liu Jiakun, anunciou esta terça-feira a Fundação Hyatt. A sua obra, desenvolvida ao longo de 40 anos e sita na China, é "espantosa", diz a organização, e de "profunda coerência" porque ao invés de ter desenvolvido um estilo, criou "estratégia", adaptando os projectos às realidades em que se inserem e criando "um cenário totalmente novo da vida quotidiana". Liu é também romancista e pintor e foi um dos nomes encarregues da reconstrução chinesa, na década de 1980.
"Num contexto global em que a arquitectura se esforça por encontrar respostas adequadas aos desafios sociais e ambientais em rápida evolução, Liu Jiakun deu respostas convincentes que também celebram a vida quotidiana das pessoas, bem como as suas identidades comunitárias e espirituais", diz o júri em comunicado. O nome agora revelado é também uma forma de dar a conhecer o trabalho de um arquitecto que, fora do seu país, não é muito conhecido. Apesar disso, na China "é respeitado como um dos mestres da sua geração", comenta Oliver Wainright, crítico de arquitectura do diário britânico The Guardian.
O seu trabalho começou no Architectural Design and Research Institute de Chengdu, megalópole chinesa e instituição dependente do Estado, depois de se ter licenciado em 1982. Passou dois anos como voluntário no Tibete, região com maior altitude habitada no mundo e conhecida pela sua centralidade espiritual e por ser um território reclamado pela China apesar de já ter sido um país com raízes seculares e, no século XX, ter vivido décadas de independência. Durante o dia, Liu trabalhava como arquitecto; à noite, escrevia. Também pintava e meditava.
"Escrever romances e praticar arquitectura são formas de arte distintas, e não procurei deliberadamente combinar as duas. No entanto, talvez devido à minha dupla formação [em Engenharia e Arquitectura], existe uma ligação inerente entre elas no meu trabalho — tal como a qualidade narrativa e a procura de poesia nos meus projectos", diz, citado pela Fundação Hyatt. Em 1999, fundou o atelier Jiakun Architecture; ao longo dos anos representou a China na Bienal de Veneza e é professor e detentor de múltiplos prémios. Mas durante mais de uma década abandonou a arquitectura, dedicando-se sobretudo à escrita. São exemplos a distopia de The Conception of Brightmoon, Narrative Discourse and Low-Tech Strategy, Now and Here e I Built in West China?, muitos dos quais demoraram largos anos a conseguir publicação.
Tijolos, lazer, memória
É o segundo chinês a ser premiado com o Pritzker. Como contextualiza o Guardian, dado que a propriedade privada de ateliers foi proibida durante a Revolução Cultural chinesa, não é de estranhar o número diminuto de arquitectos reconhecidos individualmente. O seu antecessor foi Wang Shu, em 2012, e o seu Pritzker foi visto como um sinal para o futuro da arquitectura na China.
Entre as suas obras mais conhecidas — de arquitectura —, o Pritzker destaca o Pavilhão para a Serpentine de Pequim em 2018, mas sobretudo o seu vasto trabalho nos espaços cívicos e planeamento urbano, apesar de também serem reconhecidos os seus edificados mais comerciais ou para instituições académicas e culturais. Um exemplo é a West Village (2015), em Chengdu, um complexo-quarteirão dedicado ao lazer com uma volumetria simultaneamente aberta e protectora, de vários níveis e rampas onde funcionam estúdios de ioga, clínicas dermatológicas e outros serviços no que Wainright descreve como "ruas de cinco andares". É simultaneamente infra-estrutura, edifício, paisagem e espaço público, como resume a Fundação Hyatt.
Outros projectos são o Luyeyuan Stone Sculpture Art Museum (2002), que mescla a geografia de um jardim tradicional chinês com o betão bruto dos edifícios, tanto fechados como com segmentos abertos ao exterior, e onde estão guardadas relíquias e esculturas budistas, ou o anguloso Sichuan Fine Arts Institute Sculpture Department Teaching Building (2004), que maximiza o espaço disponível quando, nos pisos superiores, subitamente se alarga e ao mesmo tempo se camufla, com a sua cor de ferrugem, entre os prédios envolventes, outras escolas mas também fábricas.
O edifício do Suzhou Museum of Imperial Kiln Brick, dedicado aos tijolos como o próprio nome indica, tem um exterior que protege as ruínas dos tempos da Dinastia Ming ou Qing e que evoca algumas formas tradicionais da arquitectura chinesa, e um interior serpenteante em que são mostrados exemplares daquelas importantes peças da construção.
Em 2009, Liu Jiakun fez o Hu Huishan Memorial, um espaço que emula uma pequena casa de formas puras e cujo interior está fechado ao público, pintado com o rosa favorito de Liu e ostentando alguns objectos seus — é um memorial às vítimas do sismo de Wenchuan em 2008.
"Com uma coerência profunda e uma qualidade constante, Liu Jiakun imagina e constrói novos mundos, sem qualquer constrangimento estético ou estilístico. Em vez de um estilo, desenvolveu uma estratégia que nunca se baseia num método recorrente, mas sim na avaliação das características e exigências específicas de cada projecto de forma diferente", discorre o júri. "Ou seja, Liu Jiakun pega nas realidades actuais e manipula-as ao ponto de oferecer um cenário totalmente novo da vida quotidiana. Para além do conhecimento e da técnica, acrescenta senso comum e sabedoria à caixa de ferramentas do designer."
O Pritzker
O júri é mais uma vez presidido pelo arquitecto chileno Alejandro Aravena e compõe-se com o investigador e especialista em História da Arte e Arqueologia Barry Bergdoll, pelo presidente da COP30 e secretário de Estado para o Clima, Energia e Ambiente do Brasil André Aranha Corrêa do Lago, pelo arquitecto e académico Hashim Sarkis, pelas arquitectas Anne Lacaton, Kazuyo Sejima e Deborah Berke, pelo ex-juiz do Supremo Tribunal dos EUA Stephen Breyer e pela nova directora-executiva do Pritzker Manuela Lucá-Dazio, que trabalhou antes num cargo semelhante na Bienal de Veneza.
Liu Jiakun nasceu em 1956 em Chengdu, na República Popular da China, e passou grande parte da sua infância rodeado pela profissão médica — a mãe era internista no Chengdu Second People's Hospital, cristão, e quase toda a sua família próxima trabalhava em medicina. Seguiu outro caminho. "Aos 17 anos, Liu fazia parte do programa Zhiqing da China, ou programa de "jovens instruídos", destinado "à agricultura camponesa profissional no campo", diz a sua biografia partilhada pela organização. Foi aceite no Instituto de Arquitectura e Engenharia de Chongqing (hoje a Universidade de Chongqing) em 1978. Não compreendia bem o que era ser arquitecto. Mas, "como num sonho, apercebi-me de repente que a minha própria vida era importante", diz, citado no mesmo comunicado.
"Aspiro sempre a ser como a água — a permear um lugar sem ter uma forma fixa própria e a infiltrar-me no ambiente local e no próprio sítio. Com o tempo, a água solidifica-se gradualmente, transformando-se em arquitectura, e talvez mesmo na forma mais elevada da criação espiritual humana. No entanto, mantém todas as qualidades desse lugar, tanto as boas como as más", postula sobre o seu trabalho o arquitecto.
O prémio Pritzker é atribuído pela Fundação Hyatt desde 1979. O seu valor pecuniário é de 100 mil dólares (cerca de 90 mil euros) e pode ser entregue a profissionais a título individual ou colectivo desde que a sua obra reflicta “uma combinação de talento, visão e empenho” e tenha contribuído significativamente para a humanidade e o ambiente.
Na última edição, o Pritzker foi para o japonês Riken Yamamoto, antecedido pelo britânico David Chipperfield. Em 2022, o prémio foi pela primeira vez entregue a um africano, Diébédo Francis Kéré.
Entre os galardoados com o Pritzker estão alguns dos mais reputados profissionais de arquitectura da História, entre os quais dois portugueses — Álvaro Siza (1992) e Eduardo Souto de Moura (2011). Tadao Ando, Peter Zumthor, Norman Foster, Rem Koolhaas, Renzo Piano, I.M.Pei, Frank Gehry, Paulo Mendes da Rocha ou Aldo Rossi têm também o seu “Óscar da arquitectura”. O currículo paritário do Pritzker é fraco: só seis mulheres têm um; no caso das duplas Kazuyo Sejima/Ryue Nishizawa ou Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal, foi partilhado com os seus sócios masculinos; Yvonne Farrell e Shelley McNamara receberam o prémio em dupla também, mas feminina.
Só Zaha Hadid o recebeu a título individual, em 2003.