Todos temos um dom: para cantar, dançar, cozinhar, até preguiçar. O meu? Saber se uma pessoa é de esquerda ou de direita só pelas roupas que usa.
Amigos ficam pasmos. "Como você sabia que ele era de esquerda?" Little Couto, com seu ar de perdigueiro, responde: "Pelo blazer. Era de veludo cotelê. Se fosse tweed, seria de direita."
Eles aplaudem e até sugerem que monte um negócio na feira, como certos cartomantes, só para assombrar os espíritos frágeis. Sempre recusei.
Há quem ria dessa ligação entre a moda e a política. Eu não. A ligação sempre existiu e as roupas são a forma mais imediata de expressar as nossas convicções.
Que o digam os "sans-culottes" da Revolução Francesa, que recusaram o calção aristocrático e optaram pelas calças do povão.
Que o digam os hippies da década de 1960, na sua rebelião contra o capitalismo e o "establishment" conservador, usando roupas floridas e artesanais.
Que o digam os chineses da era Mao Tsé-tung, com seus uniformes monocolores, operários, igualitários. Isso para ficarmos na esquerda.
À direita, a mesma coisa: os coletes burgueses, as cartolas vitorianas, as camisas negras dos fascistas italianos —quem pensa que roupa é apenas roupa está dramaticamente equivocado.
E hoje? As coisas estão mais bagunçadas, admito: esquerda e direita, nas suas versões mais moderadas, renderam-se ao terno e à gravata profissionais. A diferença não está na roupa em si, mas nas grifes que cada lado escolhe.
E, por incrível que pareça, quanto mais de esquerda é uma pessoa, mais luxuosa é a roupa que ela usa. O capitalismo, pelos vistos, triunfou onde menos se esperava.
Essa, pelo menos, é a conclusão do Wall Street Journal que decidiu estudar o assunto entre democratas e republicanos.
Entre as mulheres progressistas, há uma clara preferência por DKNY, Dolce & Gabbana e, para surpresa minha, Ralph Lauren. As mais conservadoras preferem os trajes "country" da Wrangler.
Sinal de esperança, porém: os dois lados se encontram quando o assunto é Liz Claiborne.
Entre os homens, parece que os democratas gostam de Armani e Gap enquanto os republicanos, sem surpresas, optam por Brooks Brothers e Carhartt. Na roupa formal ou informal, os democratas passam o cheque mais generoso.
Mas as diferenças não se ficam pela roupa. Nos carros, Mercedes, Cadillac e Tesla são a opção dos progressistas (irônico: Elon Musk apoia Donald Trump, mas ganha a vida com o pessoal de Kamala Harris).
Entre os republicanos, Porsche, Ford e Jeep levam vantagem.
E, na hora das bebidas alcoólicas, novos sinais de esperança: a esquerda bebe champanhe e Cosmopolitans; a direita, cerveja e Jack and Coke; mas as duas patrulhas parecem de acordo na presença de gim-tônica.
Moral da história? Eu, se fosse Miss Universo, não perdia tempo com retórica vã. Pedia apenas que a Hendrick’s e a Schweppes dessem as mãos para que as casas progressistas e conservadoras fossem abastecidas gratuitamente.
Como lembrava o velho Hemingway, nada se compara ao álcool para tornar os outros interessantes.
Já eu acho que roupas de grife, qualquer marca, é coisa de direita. É a própria rendição ao fetiche da mercadoria. Roupas devem ser repostas em lojas de departamentos multimarcas à medida em que rasgam com o uso e lavagem ao longo dos anos.