Matias Spektor

Professor de relações internacionais na FGV.

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Matias Spektor

Chegou a hora de reescrever a história da transição democrática

Episódio envolvendo o Supremo permite fazer o ajuste de contas com o passado

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Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Alan Marques - 12.nov.12/Folhapress

A reação de ministros da corte suprema a suspeitas sobre o possível envolvimento de magistrados com corrupção política é alarmante porque viola a Constituição. 

No entanto, esse episódio tem um poderoso efeito pedagógico. Ele permite, finalmente, fazer o necessário ajuste de contas com o passado. Explico. 

Nos últimos 30 anos, vingou a tese da suposta transição exitosa para a democracia. A narrativa dominante apresenta o Brasil como um caso de sucesso, em que pesem os vários percalços no meio do caminho.

Claro, essa visão reconhece que a travessia não foi perfeita. Mas as imperfeições são descritas como um mero resquício autoritário —aquela sobra incômoda que sempre tem numa obra grande e bem-sucedida. Não à toa, a expressão comum para descrever esses restos é “entulho autoritário”. 

Essa continua sendo a forma hegemônica de descrever os últimos 30 anos. Segundo ela, o entulho atrapalha, mas não inviabiliza. Basta dar tempo ao tempo que uma democracia plena nascerá graças ao acúmulo de anos de governança virtuosa por parte de instituições democráticas, que estariam funcionando muito bem. 

Tal visão da história ainda impera incólume em livros, artigos, universidades e na grande imprensa. Durante a década de 2000, quando o crescimento econômico puxado pela China permitiu esquecer o conflito redistributivo, ela virou dogma. 

Alguns acadêmicos chegaram a vislumbrar um futuro próximo no qual o Brasil teria uma democracia de qualidade similar àquela hoje vista em Portugal e Espanha, exemplos de transições bem-feitas para longe do autoritarismo.

Ocorre que, nos últimos cinco anos, esse dogma ruiu. Aprendemos que o Executivo usa recursos de conglomerados privados para comprar o Legislativo.

Em conluio, políticos e empresários compram juízes e capturam agências reguladoras. Juntos, abocanham nacos da política de defesa e sequestram parte da política externa. As milícias servem como cabos eleitorais, enquanto o narcotráfico financia candidatos. Clientelismo e compra de voto não ficaram num distante passado arcaico. Permanecem vivos. 

A censura impulsionada desde o STF é parte do pacote. Ela coroa as recentes revelações sobre como a corte funciona na prática, e o cenário é desolador. 

Por isso, passou da hora de trocar a velha tese da transição bem-sucedida por outra, mais precisa. A dimensão autoritária da atual democracia não se resume ao escombro da reconstrução pós-ditadura. Ela é central a seu funcionamento. 

É necessário um esforço coletivo para reescrever essa história à luz das novas evidências. Só assim entenderemos por que o velho pacto oligárquico conseguiu sobreviver à Nova República. 

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Comentários

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carlos beneduzi

18.abr.2019 às 16h04

Disseste tudo, Matias. Nosso estado democrático é de fancaria. A atitude de alguns membros do Supremo contra as consideradas ofensas à Corte é prova cabal disso. Contrarie os interesses de algumas dessas pessoas e eles logo mostram o quanto são zelosos na sua guarda à Constituição.

Hernandez Piras Batista

18.abr.2019 às 11h57

A chamada Constituição Cidadã é a maior prova disso: sob as promessas generosas de desenvolvimento e bem-estar social, o arranjo institucional do País, aquele mesmo que fracassara em 1964 e que teve seus piores aspectos agravados pelo regime militar, permaneceu quase intocado. O resultado disso são instituições desfuncionais e incapazes de fazer o que há de mais elementar num Estado civilizado. Mas, ao invés de repensar nosso sistema político-institucional, preferimos eleger salvadores da pátria

ricardo fernandes

18.abr.2019 às 8h32

perfeito, matias. o nosso erro foi jogar para baixo do tapete toda essa sujeirada da ditadura, praticada por civis e militares, achando que dava para conviver com isso. e agora esses cadáveres fedem.