Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

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Rodrigo Zeidan
Descrição de chapéu Brics Eleições nos EUA

Desdolarização é delírio dos Brics

Trump pode destruir a economia americana; Rússia, China e Brasil, não

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A eleição de Trump vai acabar com o que sobrou da globalização que alimentou o crescimento econômico desde a década de 1990. China e Rússia vão continuar a buscar alternativas ao dólar. Mas não vão encontrar (euro e iene não lhe interessam). Desdolarização é fantasia. Infelizmente, em vez de acordarmos desse sonho, estamos entrando na parolagem de outros países.

Moeda dos Brics? Acordos de swaps entre bancos centrais chineses e brasileiros? Lula conclamando pela desdolarização? Perda de tempo.

A imagem mostra uma mesa de conferência com vários líderes sentados, em frente a uma parede decorada com o logotipo 'BRICS 24' e a palavra 'Rússia'. Atrás deles, há uma exibição de bandeiras de diferentes países, representando os membros do BRICS.
Sessão plenária do Brics em Kazan, na Rússia - Maxim Shemetov - 24.out.2024/Reuters

Em um debate na TV chinesa, meu interlocutor bradou números estratosféricos. Segundo ele, 50% do comércio chinês, na ordem de trilhões de dólares, já estaria sendo feito em renminbi (yuan), a moeda chinesa. Minha réplica: o quanto disso é fluxo, não somente contabilidade cruzada, e o quanto de derivativos e ativos financeiros globais é fechado na moeda chinesa? Dava para ver a raiva nos seus olhos enquanto ele balbuciava uma resposta sem sentido.

A maior parte do comércio internacional pode ser contabilizada em qualquer moeda, seja dólar, seja renminbi, sejam patacas. Normalmente, o preço é cotado em dólar, mas pagamentos são feitos em moedas locais. O banco chinês entrega yuan para o exportador, enquanto o importador brasileiro deposita reais em banco local. Bancos centrais fazem compensação cruzada e pronto. Se a denominação da transação foi em dólar ou moeda inco-venusiana, pouco importa.

A coisa muda de figura em mercados financeiros. Nesses, agentes realmente buscam proteção ou especulam contra movimentos de moedas e taxas de juros. Pois bem. O valor de face dos futuros de taxa de juros estava em US$ 530 trilhões ao final de 2023, enquanto derivativos de moedas estrangeiras chegavam a US$ 118 trilhões (mais de 80% em dólar). Em valor de mercado, mais de US$ 20 trilhões. Quanto disso é em alguma moeda que não dólar, iene ou euro? Quase nada. As moedas chinesas e russas nem conversíveis são; não podem ser negociadas em mercados globais, com raras exceções.

Quando um fundo de pensão norueguês quiser ter a maioria dos seus recursos em renminbi, rublos ou reais, a gente fala no assunto. É bom esperar sentado. Enquanto isso, comércio em moeda chinesa pode fazer bem para o ego, mas não tem efeito prático. Afinal, será que o PBoC, banco central chinês, está disposto a vender seus US$ 800 bilhões em dívida americana para comprar papéis russos, indianos, sul-africanos ou brasileiros? Talvez Lula pudesse dar exemplo, mandando vender nossas reservas internacionais em dólar para comprar títulos russos e chineses (contém ironia).

Desdolarização só acontece se a demanda por títulos públicos americanos for para o buraco por extrema falta de confiança no governo dos EUA. O mercado de títulos públicos já derrubou a primeira-ministra do Reino Unido Liz Truss, que renunciou depois que os juros explodiram como resultado da sua desastrada proposta orçamentária. Mas o Federal Reserve já mostrou que é só jogar os juros para cima que o dinheiro mundial vem a cavalo.

A eleição de Trump resultou em robusta valorização do dólar, não em enfraquecimento da moeda. Desdolarização é escolha americana, seja por política, seja por incompetência. Trump pode destruir a economia americana. Rússia, China e Brasil? Não.

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Comentários

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José Cardoso

9.nov.2024 às 10h01

O dia em que os cambistas na Calle Florida em Buenos Aires apregoarem "yuan" para os turistas, em vez de "dólar", uma página terá sido virada. Os corações e mentes dos hermanos são um grande termômetro da confiança nas moedas.